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sábado, 19 de junho de 2010

SARAMAGO – FILHO DA GOLEGÃ – CIDADÃO DO MUNDO HOMEM LIVRE – AMANTE DA PALAVRA

Por: Anabela Melão

Os ribatejanos estão pré-destinados a levar a sua terra além-terra. José Saramago morreu no sábado, no número três de Tias, em Lanzarote, mas poucos saberão que nasceu na aldeia ribatejana de Azinhaga, concelho da Golegã.

Foi um homem-escritor contestado, como o são todos os que têm a coragem de erguer a voz em prol dos seus próprios valores e princípios. Como o são ainda mais todos os nasceram com o talento de fazer da palavra uma bandeira ou uma bomba.

Heidegger, tendo por base Hölderlin, afirma que a palavra precisa de ser escutada onde o dizer poético funda o ser. É nesta forma de falar poeticamente que a natureza é (re)instaurada e é aí que se contém o poder essencial da totalidade. Por isso, os poetas são mensageiros, sentinelas e observadores de tudo o que ocorre no mundo. Captam os sinais. Escutam a voz silenciosa do ser. Estão, por ali, algures, entre os homens e os deuses. Assim, a poesia é dádiva e os poetas são os fundadores do Ser.

Quem não reconhece a força e o contributo da “canção de intervenção” e do seu valor pedagógico para o alertar das aberrações e prepotências que oprimiam Portugal antes de Abril. A cantiga intervencionista sempre foi tida como uma arma pelos governos ditatoriais. São muitos os exemplos nestes últimos 50 ou 60 anos. Em França onde a resistência à guerra na Argélia. Em Espanha, contra o ditador, o caudilho Generalíssimo Franco. No Brasil, muitos cantores exilaram-se na Argentina, França e Uruguai durante os anos da ditadura dos militares. Os Estados Unidos da América do Norte conheceram tempos de incómodo com os poetas-escritores-cantores que se opunham à guerra no Vietname. Após a Revolução de Abril, no “Verão Quente de 1975” muitos poetas e compositores criaram poemas revolucionários musicados que marcaram uma época de transição difícil da nação portuguesa. A cantiga de intervenção é uma arma, afirmou José Mário Branco. Como o são os poemas, os escritos, os textos.

É mesmo, poetas-escritores-cantores recusam-se a abdicar do que mais por sagrado e eloquente: a palavra.

Daniel Filipe, em “A invenção do amor” explicou o apoquentamento que se estabelece na máquina estatal quando dois amantes se amam. Porque aí o seu amor é uma arma.
Poetas-escritores-cantores são grandes amantes …. de palavras. Recusam-se a ser vendilhões de palavras. Tratam-nas com sacralidade. São inquisidores incansáveis e incontornáveis das sociedades e dos governos. E porque são livres sobrevivem ao tempo, vão para além do espaço. Estes sim, são herdeiros de Orfeu.

Assim era José Saramago. Vai para onde te levar a palavra, amigo!

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