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terça-feira, 24 de maio de 2011

Um vencedor ou uma maioria?

Ou uma enorme crise governamental que aí vêm?

Manda a tradição que o Presidente convide o partido mais votado nas legislativas a formar Governo. Tem sido sempre assim neste regime democrático, e o exemplo do que fizeram os anteriores Presidentes assume, neste tipo de assuntos, um grande peso político. Mas não é uma obrigação legal, já que o que diz a Constituição é uma coisa completamente diferente: que o Presidente deve promover a formação de um Governo atendendo aos resultados eleitorais.

A fórmula é ambígua, e não é por acaso. Esta é, aliás uma das manifestações do presidencialismo deste nosso regime parlamentar. O presidente não está vinculado a convidar o partido mais votado. Em bom rigor; pode até não convidar qualquer força partidária, como aconteceu já com governos de iniciativa presidencial, em tempos idos.

Na sua análise dos resultados eleitorais, e posterior escolha de uma solução governativa, o Presidente tem apenas de contar com uma condicionante legal: a reação da Assembleia da República.

Por isso, é para o «todo» parlamentar, a entidade que «emanou» do voto popular, que o Presidente tem de olhar, a fim de decidir quem convida a constituir Governo. É a isso que obriga a Constituição e é isso também que, depois, é ditado pelo próprio funcionamento político do sistema, com o Parlamento a viabilizar, ou não, o caminho escolhido pelo Presidente. A Constituição diz, ainda, que o Presidente, antes de promover a criação de um novo Executivo, tem de ouvir os partidos. Também não é por acaso. É para tentar perceber qual vai ser o seu comportamento perante «aqueles» resultados eleitorais, uma preocupação tanto maior quanto menos expressiva for a vitória do partido mais votado.

É este pragmatismo, de resto, que explica a existência, em tantos países, de autênticas corridas às alianças pós-eleitorais, na procura de uma supremacia parlamentar.

O povo escolhe os deputados e o Governo é escolhido em funções do programa (do entendimento entre partidos) que consegue mais base parlamentar, espelhando o novo Governo, da melhor maneira possível, a vontade do povo.

MAS SE A LETRA e o espírito da Constituição estão muito longe da tese «quem ganha é que forma Governo», como afirmou Sócrates num dos seus debates eleitorais, a prática constitucional já não está. Nem a simples prudência. Por isso, também não é linear o cenário colocado por Paulo Portas, que, na argumentação a favor do voto no CDS (ou contra o voto útil no PSD), deu como possível um convite a estes dois partidos para formarem Governo, mesmo com um «primeiro lugar» do PS. Não é difícil adivinhar o potencial de conflito social que resultaria do afastamento de toda a esquerda do Poder, para mais, depois de uma «vitória» eleitoral do PS…

Com as dificuldades que temos pela frente, do que o país precisa é de um Governo com o máximo de representação parlamentar possível, com legitimidade popular acrescida. Mas, infelizmente, o cenário de alianças que temos hoje em Portugal parece a história da Maria que gosta do Luís que gosta da Teresa que gosta do Afonso que gosta da Maria.

O PCP está disponível para negociar com o PS, mas este não está disponível para o PCP, até porque as condições colocadas pelos comunistas são inaceitáveis para os socialistas. Com o Bloco, admite-se, no melhor dos cenários, a mesma coisa: um apelo de diálogo à esquerda, mas com a colocação de pressupostos impossíveis.

O PS, por seu turno, afirma-se disponível para negociar com o PSD e CDS.

Mas estes nem querem ouvir falar dessa possibilidade, até porque ainda não se esqueceram de que, para Sócrates, a palavra dialogar significa «eu falo e tu ouves». Por isso Passos Coelho e Paulo Portas juram que nunca estarão no mesmo Governo que o líder socialista. Mas também foram, por seu turno, incapazes de estabelecer uma aliança, sem irem, antes, medir forças para o terreno. Uma brincadeira que lhes poderá sair cara.

POR TUDO ISTO, Cavaco Silva poderá mesmo ter um problema grave para resolver, caso tenha pela frente um PS vencedor, mas sem maioria, dirigido por um líder recém-legitimado pelas bases, mas incapaz de estabelecer alianças à esquerda ou à direita – seja por incompatibilidade politica seja por incompatibilidade pessoal.

Este perigoso cenário deve levá-lo a quebrar a tradição? Ou, pelo contrário, esta é uma tradição tão importante, pelo que significa de respeito pelo voto popular, que o Presidente deve mantê-la, mesmo que o preço a pagar seja um nova crise parlamentar – ou, em alternativa, a manutenção de um Governo sem a força necessária para aplicar todas as reformas com que estamos comprometidos?

Infelizmente, a Constituição não ajuda a resolver esta angústia. Na ausência de uma norma constitucional que diga «quem perde sai e não chateia», Cavaco Silva pode unicamente esperar que, desta vez, os lideres derrotados tenham a grandeza de se afastarem, abrindo caminho a um entendimento entre os principais partidos, essencial para o País mas impossível com estes protagonistas.
(Pedro Camacho/Visão)

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