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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

José Cebola – Um grande sindicalista

Por José João Pais
Continuando a nossa abordagem, ainda que sumária, sobre a actividade sindical dos rurais de Alpiarça, tendo como pano de fundo a comemoração do 1º Centenário da realização do 1º Congresso dos Trabalhadores Rurais, é da mais elementar justiça realçar o trabalho desenvolvido pelo trabalhador rural José Cebola, o grande dinamizador da Associação em Alpiarça e seu primeiro presidente.
O surto grevista de 1912 leva as autoridades a vigiarem com mais atenção as movimentações dos sindicalistas. Em Janeiro de 1913, o jornal “O Trabalhador Rural”, órgão oficial da Federação dos Trabalhadores Rurais sedeado em Évora, titulava na sua 1ª página: “Temos nas prisões 108 camaradas”. Um dos detidos chama-se Joaquim José Candieira, que exercia as funções de Secretário-Geral da Federação, o que origina um grande número de manifestações de solidariedade com o detido.
A repressão não vai diminuir, bem pelo contrário, a motivação dos dirigentes associativos que se desdobram em reuniões por todo o Alentejo e Ribatejo para ampliar a rede de Associações de classe. É então que se assiste a um notável movimento de dedicados e generosos sindicalistas que se metem ao caminho para realizar sessões de esclarecimento sobre a actividade sindical e sobre a gestão das associações, de modo a que os próprios trabalhadores locais as gerissem eficazmente.
Algumas reuniões realizaram-se em Alpiarça, já que o Presidente da Associação, José Cebola, era um dirigente prestigiado no seio da própria Federação. De facto, José Cebola não se limitava a assistir passivamente às reuniões, pois ele próprio participa na formação de novas associações no Alentejo e no Ribatejo. Em Março de 1913, o jornal “O Trabalhador Rural” relatava que “José Cebola regressou da sua tournée depois de deixar fundados 12 sindicatos nos concelhos de Reguengos, Mourão, Serpa, Vidigueira, Alvito e Viana do Alentejo”, a que eu acrescentaria a associação de Vale de Cavalos.
O ano de 1913 é um ano muito difícil para as Associações Rurais. Muitos dirigentes foram detidos (chegaram a estar presos 600 sindicalistas), como também muitas destas associações foram encerradas pelas autoridades.
Alpiarça não escapou a esta onda repressiva. Assim, a 2 de Abril de 1913 (sempre o 2 de Abril na História de Alpiarça), um ano depois de formada a Associação, o seu presidente José Cebola é preso e a sua sede, na Rua do Bocage, é encerrada. O Administrador do concelho de Almeirim justificou a prisão de Cebola com facto deste ter assinado um edital “que infringia os estatutos e as leis”. Vejamos então qual era o teor do dito edital que motivara a prisão do Presidente da Associação de Trabalhadores Rurais de Alpiarça:
“Camaradas
Tendo-me comunicado a Federação dos Trabalhadores Rurais que enviasse um delegado da Associação a Évora, para o fim de discutir uma greve geral, chamo por isso a atenção da Assembleia-Geral e convido todos os trabalhadores rurais a reunirem na sede da Associação.
Assinado – José Nunes Cebola”
O crime, segundo o Administrador de Almeirim, estava no facto de haver incitamento à greve com a publicitação deste edital, o que é uma razão sem qualquer fundamento, como facilmente se depreende do texto que reproduzimos.
Mas a organização da greve não parou, antes ganhou mais consistência. Em virtude da sua prisão, José Cebola não vai poder estar presente no 2º Congresso dos Trabalhadores Rurais, que decorre a 6 e 7 de Abril, onde tinha como missão dar parecer sobre o tema seguinte “A greve geral corporativa e seu objectivo”. Em seu lugar a Associação de Alpiarça estará representada por Joaquim António Teigão. No final do Congresso foi lida e aprovada uma moção de solidariedade para com os sindicalistas presos, o que aconteceu sobretudo em Lisboa, no Alentejo e no Ribatejo. Confirma-se também uma paralisação de 24 horas que fica marcada para o dia 2 de Junho.
Refira-se, ainda, que este 2º Congresso fica marcado pela aprovação de medidas importantes para a classe rural que aqui reproduzimos na linguagem própria e conhecida nos meios rurais:
“Em todos os ajustes a de comer, descontar-se-á 200 réis por dia e não se aceitam comedias que não correspondam a este valor.
O pão de centeio é abolido nos alimentos humanos.
Só os ganadeiros, e de um modo geral os tratadores de gado, podem estar sujeitos ao trabalho noturno.
Só se enrega ao trabalho com 3 quartos de sol.
Há 1 hora de descanso para o almoço, 2 horas para o jantar e meia hora para a merenda, isto no período que vai de 15 de Abril a 14 de Setembro. De 15 de Setembro a 14 de Abril haverá 1 hora para almoço e 1 para jantar”.
A outra deliberação foi, como já referimos, a marcação de uma greve para 2 Junho.
E ela veio a realizar-se efectivamente nesse dia e teve grande incidência nos campos alentejanos e ribatejanos. Alpiarça e Vale de Cavalos foram duas das localidades onde a greve mais se fez sentir. A acção dos sindicalistas de Alpiarça nos campos de Vale de Cavalos foi de tão notada que o Administrador da Chamusca manda um telegrama ao Governador Civil de Santarém a dizer que “tudo correu na melhor ordem, apesar da presença de duas dezenas de grevistas provenientes de Alpiarça que deitaram foguetes como demonstração de regozijo”. Ao fim do dia, o mesmo administrador, de seu nome Telles Roxo, relatava que “os rurais de Alpiarça, e entre eles o Cebola, estiveram em Vale de Cavalos, sendo sondados de perto por cavalaria da GNR. Deitaram foguetes e dizem estar à espera de uma resposta”. O contacto que esperavam era da Federação, promotora da greve, para se informarem do impacto regional das movimentações.
A Associação de Trabalhadores Rurais de Alpiarça irá culminar a sua intensa actividade de 1913 com uma importante reunião na sua sede. Estiveram presentes os mais conceituados dirigentes da Federação de Évora, nomeadamente Carlos Rates, Joaquim Fornalha e Ferreira Quartel. Discutiram-se os temas que mais afligiam a classe rural: valor das jornas, horário de trabalho, condições de vida e repressão aos sindicalistas. Após esta reunião a Associação seria encerrada pelas autoridades, tal como aconteceu a muitas outras.
Seguiu-se um longo período sem qualquer actividade visível. Só em Janeiro de 1918 António Nunes Canha, um anarco-sindicalista alpiarcense, militante da União Operária Nacional, é colocado à frente dos destinos da Associação. Voltam os momentos de agitação, tensão e confronto com as autoridades administrativas e policiais, o que tornará a vida associativa ainda mais difícil. Mas isso são contos de outra história.
Para acabar, recordemos que José Nunes Cebola, que dedicou grande parte da sua energia e até da sua liberdade, na consolidação e defesa da Associação de Trabalhadores Rurais de Alpiarça, viria a morrer no dia 27 de Novembro de 1933, tinha então 47 anos e até hoje o seu nome foi praticamente ignorado na vida política e social de Alpiarça. Esta é a minha modesta homenagem a um homem que fez actividade política num tempo muito difícil e no seio de uma classe social que não tinha voz ativa nos corredores do poder. É o meu modesto contributo para que a memória não se perca.  
 
  


  

1 comentário:

Anónimo disse...

Tanta gente homenageada em Alpiarça a título póstumo e esse grande lutador José Cebola foi esquecido.
Parece que os únicos que merecem ser homenageados são os que estiveram ligados a partidos políticos.
Todos os outros são portugueses de 2ª classe...