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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

OPINIÃO:O que efectivamente está em jogo é a utilização dos organismos públicos como um meio. Isto é, o controlo de determinados “jobs” para os “good boys”

  A delação, como arma política, foi endémica nos últimos séculos da vida pública em Portugal.
E além de endémica foi, sempre que possível, caluniosa ou pérfida. Todos os que se lembram da ditadura sabem que qualquer opositor ao “Estado Novo” era, no mínimo, um execrável comunista …“ao serviço de inconfessáveis interesses”. Esta era a terminologia do Ministério do Interior, do SNI, da PIDE/DGS, dos Tribunais Plenários, etc.
Hoje, sabemos que muitos dos que contestaram a ditadura pouco mais eram do que cidadãos (muitas vezes jovens) vivendo, na época, a utopia de construir um Portugal livre, justo e mais igualitário. É óbvio que existiam organizações políticas – onde o PCP pontificava – que lutavam pelo derrube do regime salazarista. Mas todos, sem excepção, eram classificados pela mesma bitola e sumariamente “punidos”.
Com essa atitude baseada na mais vil delação perdemos, ou dificultamos, o contributo público de notáveis portugueses como, p. exº., o de Bento de Jesus Caraça (entre muitos outros).
Este clima não é exclusivo de Portugal. Todos nos lembramos dos anos 50 e da “caça às bruxas” protagonizada por McCarthy que antes de desaparecer da cena política americana, completamente desacreditado, ainda teve tempo para acusar Einstein de “actividades antiamericanas”.
Este terrível anátema social não poupou, através dos séculos, o mundo da espiritualidade, nomeadamente, o religioso. A Inquisição é exactamente isso: espiar, caluniar, denunciar… e depois a fogueira!
Hoje, a delação tem justificações mais subtis. É pretensamente ética. Muitas vezes invoca a legalidade. Nos organismos ou departamentos político-burocráticos os atentos e dedicados delatores fornecem aos chefes ou superiores hierárquicos uma trama de “informações” que são aparentemente lesivas da “legalidade instituída”. Permitem, em nome dessa “legalidade”, e de uma suposta “fidelidade”, que os órgãos dirigentes possam “destruir” um eventual opositor político, um potencial concorrente ou, simplesmente, um cidadão crítico, sarcástico ou jocoso. Tal prática não se restringe ao combate ao pensamento divergente, à modalidade de expressão, à intencionalidade da preposição, visa o próprio cidadão, enquanto pessoa. Extrapola os limites aceitáveis da luta política para entrar num ambiente da mais abjecta baixeza humana. Parte de um princípio insuportável em democracia: ninguém pode questionar a “legalidade instituída” ou os seus símbolos (dirigentes ou chefes).
O que efectivamente está em jogo é a utilização dos organismos públicos como um meio. Isto é, o controlo de determinados “jobs” para os “good boys”. Que usam os recursos e privilégios, inerentes aos cargos, para saciarem a sofreguidão que o poder lhes incute e estimula.
O “bufo” e, cumulativamente, o ezimio chefe receptador da delação, pretendem, na sua mesquinhez, passar por paladinos da justiça e defensores da ordem e da dignificação da coisa pública. Pública, é preciso sublinhar, porque – ao que parece – tais restrições não abrangem (ainda) o remanso do lar, ou a esquina, ou o café…
Estamos perante a aristotélica questão dos meios e dos fins, na política.
E não podemos, nem devemos, culpar Maquiavel, por estas insensatas diatribes que, hoje, tão danosamente e desnecessariamente, atingem as liberdades individuais e a credibilidade democrática. 
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