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domingo, 28 de setembro de 2014

CULTURA AVIEIRA: Uma visão da captura de sável, no rio Tejo, na Idade Média

Por: Lurdes Véstia
Segundo Maria Helena da Cruz Coelho (“A pesca fluvial na economia e sociedade medieval portuguesa”, in Cadernos Históricos, 6, “Actas do Seminário Pescas e navegações na história de Portugal (século XII a XVIII)”, Lagos, 1995) a bacia hidrográfica portuguesa “abrange 298,52 Km2, para uma área de 88,619Km2 e a navegabilidade de 11 dos principais rios estende-se por 812 km”, por esta leitura facilmente se percebe que o território português, pouco extenso, é no entanto razoavelmente rico em rios, não só pelos que nascem em solo nacional, como os que nele vêm desaguar, facilitando a fixação das populações junto das suas águas e dos seus portos naturais.
Coelho escreve que “a Idade Média, foi, sem dúvida, a idade do ouro do peixe, e por conseguinte da pesca de água doce, que jamais veio a conhecer uma tal projeção”. E Castro refere que “(…) uma parte da labuta diária do Homem medieval fosse dedicada a arrancar do seio das águas as diversas espécies comestíveis e o sal, desde as lampreias aos mariscos, às baleias e às numerosas variedades piscícolas, fluviais e marítimas”.
O cruzado Osberto de Bawdsey, em 1147, exalta o papel de destaque da atividade pesqueira ao asseverar que “o peixe era tanto que alguns acreditavam que no rio Tejo, para dois terços de água, sobrava um terço de peixe (…)”. A pesca fluvial deveria, na época, ser quase tão importante como a marítima, sofrendo depois uma acentuada diminuição até à contemporaneidade, como se atesta pelas palavras de Redol “(…) e por ali andei com eles, pescando à noite com as artes mais pequenas, ou partilhando o trabalho dos lances nas companhas do sável entre queixas dos mais velhos ainda lembrados dos tempos em que o Tejo era um jardim de peixe.”
Jaime Cortesão refere que são numerosos os documentos que certificam que, nos séculos XIII a XV, existia um vínculo comercial marítimo entre Santarém e a Flandres, Sevilha, o Norte de África e o Algarve. Em 1420, nas réplicas do rei D. João I sobre as dúvidas que levantou a obrigação da dízima nova aos escrivães da portagem de Lisboa, verifica-se que era vulgar a circulação do pescado e de diversas mercadorias, por rio, de Lisboa para Santarém. Era fácil para os barcos de Setúbal, Pederneira (bairro da vila da Nazaré que foi sede de um dos concelhos dos coutos de Alcobaça) e de fora do reino navegarem pelo rio Tejo diretamente até à então Villa de Santarém
Meios e modos de pesca
O rio Tejo desde tempos imemoriáveis que é famoso pelos seus sáveis que eram pescados, para além do método tradicional, também com armadilhas que eram primitivamente feitas com ramos de árvores entrelaçados ou vergas e posteriormente passou-se para um aparelho, que medeia o simples uso de ramos de árvore e o de utensílios mais proveitosos e impõe um fabrico mais difícil do que o simples corte de ramas, as “vargas”, deu-se essa mesma designação a alguns tipos de redes chamadas de “abbargas” que seriam constituídas por canas ou caniços entremeados que retinham os peixes. A prova de que as vargas foram utilizadas no rio Tejo, para a pesca dos sáveis, está num documento escrito por D. João I: “Item que sse pescam muitos saavés no Rio do Tejo, assy com as avargas do Infante dom anrrique meu filho”.
No que diz respeito a nassas e covos, “grandes cestos de vime entrançado ou de fio de cânhamo de boca larga e que iam estreitando fixados em determinados pontos (…)”, aparecem abundantes alusões nos documentos analisados para a execução deste texto.
D. João I, em 1394, solicita que não se deitassem covões com pedras para sibas (chocos ou sépias) nem outros peixes nas rias de Vagos, Aveiro, em Ovar e noutras regiões em redor, porque ali circulavam muitos navios de marear e estas armadilhas enleavam-se neles e provocavam grande dano. A este propósito Castro menciona que a “predominância de cada um destes processos dependia do condicionalismo geográfico de índole física e da influência das relações económicas estabelecidas”.
Num documento de 8 de Fevereiro de 1420 refere-se que os sáveis capturados no rio Tejo e rio de Alpiarça eram salgados em Lisboa e depois comercializados em Ceuta, o que pesava na balança comercial do território. Em Lisboa cresciam as vozes dos que se insurgiam contra este comércio intensivo com Ceuta pois segundo elas retirava da boca dos mais pobres os sáveis e outros pescados, com a alegação de que os rios eram livres a todos os que neles quisessem pescar.
Após a leitura de alguns documentos somos levados a ponderar que se pescava de forma abusiva, sobretudo em dias considerados magros, facilitando a extinção de algumas espécies, o que pode justificar o número excessivo de proibições de utilização de instrumentos considerados perigosos e regulamentos de pesca. No século XIV, no reinado de D. Afonso V, as queixas da população eram tantas que este teve que lhes pôr fim, sendo o primeiro rei, em Portugal, a regulamentar a pesca.
Já em 1462, D. Afonso V, impõe que os caniços dos canais da pesca dos sáveis no Tejo e no Zêzere fossem construídos de rama ou verga como as mantas da terra, com um palmo de largura e espaçados de dois dedos. Nesses caniços não se podia colocar esteiras ou outro objeto de forma a não matar as “savatelhas” (sabogas ou pequenos sáveis), que nadavam para o mar onde se criavam, e ter-se-iam de deitar vivas ao rio se ficassem presas nos caniços. Em Carta régia, D. Afonso, sustentou que acontecia que os sáveis que fugiam das “avargas e savaares e nassas” avançavam rio Tejo acima, onde desovavam, e que por Agosto e Setembro as “savatelhas” que se geravam seguiam pelos rios até ao mar onde se iam criar. Refere ainda que os que tinham canais faziam caniços de verga fechados e muito juntos e lançavam-lhes esteiras e redes miúdas dobradas, fazendo com que o pequeno peixe ao entrar nelas morre-se provocando um desequilíbrio para o crescimento da espécie. Estes pequenos peixes eram vendidos como se fossem sardinhas, levando à diminuição de sáveis, ano após ano.
D. Afonso V, em 1474, persistiu nesta questão e proibiu outras formas de apanhar os sáveis, impedindo os pescadores do rio Tejo de empregarem “bogueiros” e “lavadas” (classe de redes) e que utilizassem “copéis” nas redes, onde a semente do sável poderia morrer, pois estes eram feitos de redes de malha extremamente miúda impedindo a fuga de peixes muito pequenos e acabando por desequilibrar o ecossistema piscícola.

(…) Continua na próxima Crónica

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